Hoje inauguramos uma nova série de posts quinzenais que abordará algumas personalidades do mundo sombrio. A primeira pessoa que trataremos será o celebre Edgar Allan Poe, autor cujo qual todo mundo já ouviu falar, mas acho incrivelmente bizarro o número de pessoas que o têm na lista de "livros a ler" e nada sabem do homem, sequer leram uma obra dele. Ele escrevia poemas e contos e cá entre nós, consegue pensar em algo mais curto e prático de ler do que isso (além de haikais¹)? Pois eis o motivo de eu sugerir que ignore a ordem de vossa lista de "livros a ler" e deguste de pelo menos um maldito conto do Poe agora mesmo, se de fato ele te interessa, pois em curtíssimas obras esse mestre expressa o horror em belas e reflexivas linhas de puro deleite. Não gosta de ler no computador? Pois está lendo agora, meu post, e os contos de Poe não são muito maiores que este post.
Edgar Allan Poe
Edgar Allan Poe (Boston, EUA, 19/01/1809 - Baltimore, 7/10/1849) foi um autor, editor e crítico literário bastante exigente, e o primeiro escritor americano conhecido a tentar se sustentar exclusivamente através da escrita, resultando em uma vida e carreira financeiramente difícil.
Segundo filho de David Poe e Elizabeth Arnold, ambos atores, Edgar Poe ficou órfão ainda criança e foi adotado por um casal rico de Richmond, Virgínia, Jonh Allan e Frances Kelling Allan. Isso lhe permitiu ter uma educação de qualidade, bem como fazer uma longa viagem pela Inglaterra, Escócia e Irlanda com os pais adotivos. Regressou aos Estados Unidos em 1822 e continuou seus estudos sob a orientação dos melhores professores da época. Dois anos depois, entrou para a Universidade de Charlotesville, distinguindo-se tanto pela inteligência quanto pelo temperamento inquieto, que posteriormente o levou a ser expulso da escola.
A seguir houve um período ainda pouco esclarecido na vida de Poe, no qual se registram viagens fora dos Estados Unidos.
Retornou a seu país em 1829 e manifestou desejo de seguir a carreira militar. Foi admitido na célebre Academia de West Point, mas acabou expulso poucos meses depois por indisciplina.
Com a morte da mãe adotiva, John Allan voltou a casar-se, com uma mulher muito jovem que lhe deu dois filhos. Isso impediu que Poe se tornasse herdeiro da fortuna paterna e ele se afastou da casa do pai adotivo, deixando Richmond. Após um período de relativa dificuldade, conheceu uma certa prosperidade ao vencer simultaneamente os concursos de conto e poesia promovidos pela revista Southern Literary Messager. O fundador da publicação, Thomas White, convidou-o a dirigir a revista que rapidamente se impôs ao público. Durante dois anos, Poe esteve a frente do periódico, onde pôde exibir seu talento que se manifestava num estilo novo, no conto e na poesia, bem como pelos artigos de crítica literária que revelavam seu rigor e sensibilidade estética.
Escritor bem-sucedido, Poe casou-se com Virginia Clemm. Entretanto, ao fim de dois anos, White cortou relações com o escritor, que já desenvolvera a doença do alcoolismo. Poe passou a produzir como "free-lancer", em grande quantidade, mas sem ganhar o suficiente para manter uma vida digna e saudável, o que o levou a afundar-se ainda mais na bebida.
A morte de sua mulher por conta da tuberculose agravou o problema. O escritor passou a beber cada vez mais e já sofria os primeiros ataques de delirium tremens (os sintomas incluem tremores, insônia, ansiedade e outros problemas físicos e mentais). Numa viagem a Nova York, para tratar de negócios, parou em Baltimore e hospedou-se numa taberna onde se distraiu durante horas bebendo. Era a noite de 6 de outubro de 1849. O escritor morreu na madrugada do dia 7, aos 40 anos.
Morte misteriosa
Cercada de mistério, sua causa ainda é muito discutida. Quatro dias antes de falecer, Poe foi encontrado nas ruas de Baltimore em um estado delirante. Não existem provas fiáveis sobre seu paradeiro até que, uma semana depois, em 3 de outubro, foi encontrado delirando nas ruas de Baltimore, em frente à Ryan's Tavern. Um impressor chamado Joseph W. Walker enviou uma carta para o Dr. Joseph E. Snodgrass, conhecido de Poe, pedindo ajuda:
Estimado senhor - Há um cavalheiro, muito mal vestido, no 4º distrito de Ryan, que se chama Edgar A. Poe e que aparenta estar muito angustiado e ele que ele é conhecido seu, e eu lhe asseguro, ele está necessitando de assistência imediata. Apressadamente, Jos. W. Walker2
Depois de ler a carta, Snodgrass se apressou em se dirigir à taverna, cruzando a cidade sob uma chuva torrencial. Posteriormente ele declarou que Poe se encontrava "em um estado de intoxicação bestial". Em sua declaração, Snodgrass descreveu o estado de Poe como "repulsivo", relatando que tinha seu cabelo despenteado, gasto, sua cara sem lavar e olhos "vazios e opacos". Sua roupa consistia em uma camisa suja sem terno e sapatos não lustrados, estava gasta, e não eram do seu tamanho. Snodgrass decidiu levá-lo ao hospital da Universidade Washington, onde foi atendido e tratado pelo médico de plantão, o Dr. John Joseph Moran. Moran dá uma descrição detalhada sobre a aparência de Poe naquele dia, que concorda com a dada por Snodgrass: "uma velha e manchada jaqueta, calças em um estado similar, um par de sapatos gastos com as solas gastas, e um velho chapéu de palha". Poe nunca esteve suficientemente coerente para explicar como chegara a se encontrar em situação tão desesperada, e se crê que as roupas que vestia não eram suas, especialmente porque ele não estava acostumado a usar vestimentas gastas.
Ao escritor foram negadas visitas e ele foi confinado em uma habitação similar a uma prisão, com janelas com barras em uma seção do edifício reservada para alcoólatras. Diz-se que, na sua agonia, Poe chamou repetidas vezes um tal "Reynolds" na noite antes de sua morte, mas ninguém foi capaz de identificar a pessoa à qual ele se referia.
As teorias sobre as causas da morte do escritor incluem suicídio, assassinato, cólera, raiva, sífilis e ter sido capturado por agentes eleitorais que o teriam forçado a beber para fazê-lo votar e abandonaram-no, já em estado de embriaguez, à sua sorte.
Suas últimas palavras foram: “Está tudo acabado”.
Funeral e enterro
Poe foi enterrado originalmente, sem lápide alguma, nas proximidades da parte de trás da igreja, perto de seu avô. Neilson Poe, primo de Edgar, havia comprado uma lápide de mármore italiano, mas ela foi destruída antes que chegasse à tumba quando um trem descarrilhou e se chocou contra o depósito onde ela estava guardada. Imagino que o autor teria rido da desgraça da situação, se estivesse vivo e radiante para tal, como em meados de 1836...
O funeral de ocorreu em 8 de outubro de 1849, numa segunda-feira, às quatro horas da tarde. Foi uma cerimônia simples à qual compareceram poucas pessoas, e inteira durou somente três minutos. A tarde era fria e úmida. O reverendo Clemm decidiu que não valia a pena pronunciar um sermão devido ao pouco público. Poe foi enterrado em um esquife barato a que faltavam alças. Tinha uma placa e era forrado com pano, com uma almofada para a sua cabeça.
Em 1873, o poeta do sul Paul Hamilton Hayne visitou a tumba e publicou um artigo descrevendo a sua pobre condição do "túmulo" (sim, botei entre aspas, mesmo!), sugerindo um monumento mais apropriado. Muitas pessoas de Baltimore e de todo os Estados Unidos contribuíram. O custo total do monumento, com o emblema, chegou a pouco mais de 1.500 dólares. O lugar original do enterro foi marcado com uma grande lápide doada por Orin C. Painter, mas originalmente, foi colocada em um lugar incorreto. E penso novamente que Poe teria rido...
O mistério das três rosas: Um fato interessantíssimo é que, por cerca de 60 anos, desde 1949, um desconhecido ia ao seu túmulo nesta data religiosamente todos os anos, deixando ali três rosas e uma garrafa de conhaque parcialmente cheia. Mas nos últimos anos o estranho parece ter desaparecido, e a tradição deve ter se perdido. Será que alguém irá retomá-la no futuro?
Obra geral
Suas histórias são repletas de terror e mistério no qual o sobrenatural e a loucura, misturam-se com a realidade através de delírios, doenças, assassinatos e suicídio. Pessoalmente é isso o que amo nesse grande mestre: a capacidade de mesclar a loucura com o paranormal, muitas vezes colocando uma linha tão tênua entre ambas as áreas que nos faz ponderar o que é ou não real, e ainda mais o que há de extraordinário no ordinário e vice-verso.
As obras mais conhecidas de Poe são Góticas. Seus temas mais recorrentes lidam com questões da morte, incluindo sinais físicos dela, os efeitos da decomposição, interesses por pessoas enterradas vivas, a reanimação dos mortos e o luto. Muitas das suas obras são geralmente consideradas partes do gênero do romantismo sombrio, uma reação literária ao transcendentalismo.
Além do horror, Poe também escreveu sátiras e contos de humor. Para efeito cômico, abusava da ironia e a extravagância do ridículo, muitas vezes na tentativa de liberar o leitor da conformidade cultural. De fato, "Metzengerstein", a primeira história que Poe publicou (e sua primeira incursão em terror) foi originalmente concebida como uma paródia satirizando o gênero popular.
Sua escrita reflete suas teorias literárias, que ele apresentou em sua crítica: não gostava de didatilismo e alegoria, pois acreditava que os significados na literatura deveriam ser uma subcorrente sob a superfície. Trabalhos com significados óbvios, ele escreveu, deixam de ser arte. Acreditava que o trabalho de qualidade deveria ser breve e concentrar-se em um efeito específico e único. Para isso, acreditava que o escritor deveria calcular cuidadosamente todos sentimentos e ideias.
· A Dream (1827)
· A Dream Within a Dream (1827)
· Dreams (1827)
· Tamerlane (1827)
· Al Aaraaf (1829)
· Alone (1830)
· To Helen (1831)
· Israfel (1831)
· The City in the Sea (1831)
· To One in Paradise (1834)
· The Conqueror Worm (1837)
· The Narrative of Arthur Gordon Pym (1838)
· Silence (1840)
· A Descent Into the Maelstrom (1841)
· Tell Tale Heart (1843)
· Lenore (1843)
· O Gato Preto (1843)
· Dreamland (1844)
· The Purloined Letter (1844)
· The Divine Right of Kings (1845)
· The Raven (1845)
· The Philosophy of Composition
· Ulalume (1847)
· Eureka (1848)
· Annabel Lee (1849)
· The Bells (1849)
· Eldorado (1849)
· Eulalie (1850)
· The Valley Of The Unrest
· Bridal Ballad
· The Sleeper
· The Coliseum
· Sonnet:To Zante
· To One in Paradise
· The Haunted Palace
· Romance
· FairyLand
· Song
· To F-
· To -
· To F-s S.O-d
· To The River-
· The Lake.To-
· The Bells
· A Valentine
· An Enigma
· To --
· To M.L.S.-
· To My Mother
· For Annie
· The pit and the pendulum (1842)
· William Wilson (1839)
· Berenice (conto)
· Morella (conto)
· The Oblong Box (conto)
· The Man of The Crowd (conto)
· The Assignation (conto)
· The Oval Portrait (conto)
· The King Pest (conto)
· The Gold-Bug (conto)
· Ms.Found In a Bottle (conto)
· The Balloon Hoax (conto)
· Metzengerstein
· Ligeia (conto)
· "Thou Art the Man" (conto)
· The Spectacles (conto)
· The Premature Burial (conto)
· A Tale of the Ragged Mountains (conto)
· The Island of the Fay (conto)
· The Colloquy of Monos and Una (conto)
· The Conversation of Eiros and Charmion (conto)
· A Queda da Casa de Husher (conto) (1839)
· Os Assassinatos da Rua Morgue (conto) (1841)
· A Máscara da Morte Rubra (conto) (1842)
· O Mistério de Marie Rogêt (conto) (1842)
· O Poder das Palavras (conto) (1845)
· O Demônio da Perversidade (conto) (1845)
· The System of Doctor Tarr and Professor Fether (conto) (1845)
· Os Fatos que Envolveram o Caso Mr.Valdemar (conto) (1845)
· A Esfinge (conto) (1846)
· The Cask of Amontillado (conto) (1846)
· The Domain of Arnheim (conto) (1847)
· Mellonta Tauta (conto) (1849)
· Hop-Frog ou Os Oito Orangotangos Acorrentados (conto) (1849)
· Von Kempelen and His Discovery (conto) (1849)
· X-ing a Paragrab (conto) (1849)
· A Cabana de Landor (conto) (1849)
Influência mundial
Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe é considerado por muito o inventor do gênero ficção policial, como podemos claramente perceber ao ler Os assassinatos na Rua Morgue e A carta roubada - especula-se que o herói desses contos, C. Auguste Dupin, foi uma das grandes inspirações do britânico Arthur Conan Doyle ao criar o grande Sherlock Holmes, além de ter influenciado autores como Agatha Christie, G. K. Chesterton, Jorge Luis Borges, e muitosoutros.
Um espírito desequilibrado e uma alma atribulada fizeram Poe levar sempre uma vida de miséria e de desespero, mas senhor, ao mesmo tempo, da maior figura do romantismo americano e o mais universalmente conhecido dos seus escritores. Sua própria vida foi um desses romances vividos que fornecem alta matéria para os romancistas.
Sendo Poe uma importante figura do movimento romântico americano, é de prado encontrarmos na internet fanfics (histórias criadas por fãs baseadas nas já existente) escritas em inglês utilizando-se das obras do autor, pois na sétima ou oitava série (respectivamente 8th e 9th grade) as crianças geralmente têm como trabalho escolar criar obras baseadas em algum escritor nacional romântico. Pessoalmente também mergulhei no universo do terror com o amparo principalmente das obras de Poe, que lia ainda em infância e foi um fator decisivo na minha paixão pela coisa.
Sua obra e vida também foram inspiração para músicos e compositores. O sobrenatural de Poe fascinou compositores eruditos, Debussy compôs uma ópera baseada na Queda da Casa de Usher; Rachmaninoff, utilizou o poema Os Sinos e o transformou em uma sinfonia com coral de mesmo nome; Joseph Holbrooke que era obcecado pelas obras de Poe compôs um poema sinfônico baseado em O Corvo; e tantos outros. Na música popular, Poe também teve e tem uma grande influência. Bob Dylan, Don Dilworth, The Beatles, Lou Reed, Iron Maiden e outros milhares de músicos beberam desse néctar precioso.
A morte de Poe também foi objeto de uma série de obras, tanto fictícias quanto representações de sua biografia. Em 1915 foi lançado o filme The Raven, um cinebiografia retratando os delírios de Poe em seus últimos dias. Em 2002, o romance gráfico The Shadow of Edgar Allan Poe, relata as descobertas de Sterling Tuttle, um fictício entusiasta do autor, ao encontrar um diário que Poe teria escrito em seu leito de morte, detalhando encontros sobrenaturais. A partir daí, Tuttle começa a se questionar se o trabalho do escritor teria sido influenciado por perturbações sobrenaturais ao invés de mentais
Presentinho!
Se você teve coragem de ler este enorme texto e ainda está postergando a leitura de Poe, sugiro que deixe a preguiça de lado e leia ao menos um conto dele, pois convenhamos que meu post ficou maior que muitas obras do mestre! (risos) Na verdade eu pretendia realmente fazer um resumo modesto do Poe, mas obviamente é muito difícil falar de uma figura tão querida em poucas linhas. Poderia escrever uma bíblia sobre ele! Peço perdão pela extensão colossal desta biografia que deveria ser pequena, e como recompensa trago ao visitante o endereço do maravilhoso site Contos do Covil e Garganta da Serpente, onde você pode ler muito mais não apenas do Mr Edgar mas também de outros magníficos autores do extraordinário. Abaixo, dois contos com o intuito de introduzi-lo a este mórbido mundo Poeniano:
Suportei o melhor que pude as injúrias de Fortunato; mas, quando ousou insultar-me, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza de meu caráter, não havereis de supor, no entanto, que eu tenha proferido qualquer ameaça. No fim, eu seria vingado. Este era um ponto definitivamente assentado, mas a própria decisão com que eu assim decidira excluía qualquer idéia de perigo. Assim devia apenas castigar, mas castigar impunemente. Uma injúria permanece irreparada, quando o castigo alcança aquele que se vinga. Permanece, igualmente, sem reparado, quando o vingador deixa de fazer com que aquele que o ofendeu compreenda que e ele quem se vinga.
É preciso que se saiba que, nem por meio de palavras, nem de qualquer ato, dei a Fortunato motivo para que duvidasse de minha boa vontade. Continuei, como de costume, a sorrir em sua presença, e ele não percebia que o meu sorriso, agora, tinha como origem a idéia da sua imolação.
Esse tal Fortunato tinha um ponto fraco, embora, sob outros aspectos, fosse um homem digno de ser respeitado e, até mesmo, temido. Vangloriava-se sempre de ser entendido em vinhos. Poucos italianos possuem verdadeiro talento para isso. Na maioria das vezes, seu entusiasmo se adapta aquilo que a ocasião e a oportunidade exigem, tendo em vista enganar os milionários ingleses e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunado, como todos os seus compatriotas, era um intrujão; mas, com respeito a vinhos antigos, era sincero. Sob este aspecto, não havia grande diferença entre nós – pois que eu também era hábil conhecedor de vinhos italianos, comprando-os sempre em grande quantidade, sempre que podia. Uma tarde, quase ao anoitecer, em plena loucura do carnaval, encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessiva cordialidade, pois que havia bebido muito. Usava um traje de truão, muito justo e listrado, tendo à cabeça um chapéu cônico, guarnecido de gizos.
Fiquei tão contente de encontrá-lo, que julguei que jamais estreitaria a sua mão como naquele momento.
- Meu caro Fortunato – disse-lhe eu -, foi uma sorte encontrá-lo. Mas, que bom aspecto tem você hoje! Recebi um barril como sendo de Amontillado, mas tenho minhas duvidas.
- Como? – disse ele. – Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno carnaval!
- Tenho minhas dúvidas – repeti – e seria tolo que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto. Não conseguia encontrá-lo em parte alguma, e receava perder um bom negócio.
- Amontillado!
- Tenho minhas dúvidas.
- Amontillado!
- E preciso efetuar o pagamento.
- Amontillado!
- Mas, como você esta ocupado, irei à procura de Luchesi. Se existe alguém que conheça o assunto, esse alguém é ele. Ele me dirá …
- Luchesi é incapaz de distinguir entre um Amontillado e um Xerez.
- Não obstante, há alguns imbecis que acham que o paladar de Luchesi pode competir com o seu.
-Vamos, vamos embora.
- Para onde?
- Para as suas adegas.
- Não, meu amigo. Não quero abusar de sua bondade. Penso que você deve ter algum compromisso. Luchesi…
- Não tenho compromisso algum. Vamos.
- Não, meu amigo. Embora você não tenha compromisso algum, vejo que esta com muito frio. E as adegas são insuportavelmente úmidas. Estão recobertas de salitre.
- Apesar de tudo, vamos. Não importa o frio. Amontillado! Você foi enganado. Quanto a Luchesi, não sabe distinguir entre Xerez e Amontillado.
Assim falando, Fortunato tomou-me pelo braço. Pus uma máscara de seda negra e, envolvendo-me bem em meu roquelaire, deixei-me conduzir ao meu palazzo.
Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído para celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arredassem pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurai o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortunato, conduzi-o, curvado, através de uma seqüência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega.
Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor.
O andar de meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos.
- E o barril? – perguntou.
- Está mais adiante – respondi. – Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas paredes dessas cavernas.
Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez.
- Salitre? – perguntou, por fim.
- Salitre – respondi. – Há quanto tempo você tem essa tosse?
Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder.
- Não é nada – disse afinal.
- Vamos – disse-lhe com decisão. – Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não impor-ta. Vamos embora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi . . .
- Basta – exclamou ele. – Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse.
-É verdade, é verdade – respondi. – E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar precauções. Um gole deste Medoc nos defenderá da umidade.
E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa
fila de muitas outras iguais, sobre o chão úmido.
- Beba – disse, oferecendo-lhe o vinho.
Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam.
- Bebo – disse ele – à saúde dos que repousam enterrados, em torno de nós.
- E eu para que você tenha vida longa. Tomou-me de novo o braço e prosseguimos. – Estas cavernas – disse-me – são extensas.
- Os Montresor – respondi – formavam uma família grande e numerosa.
- Esqueci qual o seu brasão.
- Um grande pé de ouro, em campo azul. O pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto.
- E a divisa?
- Nemo me impune lacessit.
- Muito bem! – exclamou.
O vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. Através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. Detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo.
- O salitre! – exclamei. – Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse…
- Não é nada – respondeu ele. – Prossigamos. Mas, antes, tomemos outro gole do Medoc.
Parti o gargalo de uma garrafa de vinho De Grâve a dei-a a Fortunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com brilho ardente. Pôs-se a rir e atirou a garrafa para o ar, com gesticulação que não compreendi.
Olhei-o, surpreso. Repetiu o movimento, um movimento grotesco.
- Você não compreende? – perguntou.
- Não, não compreendo – respondi.
- Então é porque você não pertence à irmandade.
- Como?
- Não pertence à maçonaria.
- Sim, sim. Pertenço.
- Você? Impossível! Um maçom?
- Um maçom – respondi.
- Prove-o – disse ele.
- Eis aqui – respondi, tir
ando de debaixo das dobras de meu roquelaire uma colher de pedreiro.
- Você está gracejando! – exclamou recuando alguns passos. – Mas prossigamos: vamos ao Amontillado.
- Está bem – disse eu, guardando outra vez a ferramenta debaixo da capa e oferecendo-lhe o braço. Apoiou-se pesadamente em mim. Continuamos nosso caminho, em busca do Amontillado. Passamos através de uma série de baixas abóbadas, descemos, avançamos ainda, tornamos a descer e chegamos, afinal, a uma profunda cripta, cujo ar, rarefeito, fazia com que nossas velas bruxuleassem, ao invés de arder normalmente.
Na extremidade mais distante da cripta aparecia uma outra, menos espaçosa. Despojos humanos empilhavam-se ao longo de seus muros, até o alto das abóbadas, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três dos lados dessa cripta eram ainda adornados dessa maneira. Do quarto, os ossos haviam sido retirados e jaziam espalhados pelo chão, formando, num dos cantos, um monte de certa altura. Dentro da parede, que, com a remoção dos ossos, ficara exposta, via-se ainda outra cripta ou recinto interior, de uns quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. Não parecia haver sido construída para qualquer uso determinado, mas constituir apenas um intervalo entre os dois enormes pilares que sustinham a cúpula das catacumbas, tendo por fundo uma das paredes circundantes de sólido granito.
Foi em vão que Fortunato, erguendo sua vela bruxuleante, procurou divisar a profundidade daquele recinto. A luz, fraca, não nos permitia ver o fundo.
- Continue – disse-lhe eu. – O Amontillado está aí dentro. Quanto a Luchesi. . .
- É um ignorante – interrompeu o meu amigo, enquanto avançava com passo vacilante, seguido imediatamente por mim.
Num momento, chegou ao fundo do nicho e, vendo o caminho interrompido pela rocha, deteve-se, estupidamente perplexo. Um momento após, eu já o havia acorrentado ao granito, pois que, em sua superfície, havia duas argolas de ferro, separadas uma da outra, horizontalmente, por um espaço de cerca de dois pés. De uma delas pendia uma corrente; da outra, um cadeado. Lançar a corrente em torno de sua cintura, para prendê-lo, foi coisa de segundos. Ele estava demasiado atônito para oferecer qualquer resistência.
Retirando a chave, recuei alguns passos.
- Passe a mão pela parede – disse-lhe eu. – Não poderá deixar de sentir o salitre. Está, com efeito, muito úmida. Permita-me, ainda uma vez, que lhe implore para voltar. Não? Então, positivamente, tenho de deixá-lo. Mas, primeiro, devo prestar-lhe todos os pequenos obséquios ao meu alcance.
- O Amontillado! – exclamou o meu amigo, que ainda não se refizera de seu assombro.
- É verdade – respondi -, o Amontillado.
E, dizendo essas palavras, pus-me a trabalhar entre a pilha de ossos a que já me referi. Jogando-os para o lado, deparei logo com uma certa quantidade de pedras de construção e argamassa. Com este material e com a ajuda de minha colher de pedreiro, comecei ativamente a tapar a entrada do nicho.
Mal assentara a primeira fileira de minha obra de pedreiro, quando descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande parte, se dissipado. O primeiro indício que tive disso foi um lamentoso grito, vindo do fundo do nicho. Não era o grito de um homem embriagado. Depois, houve um longo e obstinado silêncio. Coloquei a segunda, a terceira e a quarta fileiras. Ouvi, então, as furiosas sacudidas da corrente. O ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para deleitar-me com ele, interrompi o meu trabalho e sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o ruído cessou, apanhei de novo a colher de pedreiro e acabei de colocar, sem interrupção, a quinta, a sexta e a sétima fileiras. A parede me chegava, agora, até a altura do peito. Fiz uma nova pausa e, segurando a vela por cima da obra que havia executado, dirigi a fraca luz sobre a figura que se achava no interior.
Uma sucessão de gritos altos e agudos irrompeu, de repente, da garganta do vulto acorrentado, e pareceu impelir-me violentamente para trás. Durante breve instante, hesitei… tremi. Saquei de minha espada e pus-me a desferir golpes no interior do nicho; mas um momento de reflexão bastou para tranqüilizar-me. Coloquei a mão sobre a parede maciça da catacumba e senti-me satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede e respondi aos gritos daquele que clamava. Repeti-os, acompanhei-os e os venci em volume e em força. Fiz isso, e o que gritava acabou por silenciar.
Já era meia-noite, a minha tarefa chegava ao fim. Completara a oitava, a nona e a décima fileiras. Havia terminado quase toda a décima primeira – e restava apenas uma pedra a ser colocada e rebocada em seu lugar. Ergui-a com grande esforço, pois que pesava muito, e coloquei-a, em parte, na posição a que se destinava. Mas, então, saiu do nicho um riso abafado que me pôs os cabelos em pé. Seguiu-se-lhe uma voz triste, que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. A voz dizia:
- Ah! ah! ah! . . . eh! eh! eh! . . . Esta é uma boa piada… uma excelente piada! Vamos rir muito no palazzo por causa disso . . . ah! ah! ah! . . . por causa do nosso vinho… ah! ah! ah!
- O Amontillado! – disse eu.
- Ah! ah! ah! . . . sim, sim . . . o Amontillado. Mas não está ficando tarde? Não estarão nos esperando no palácio. . . a Sra. Fortunato e os outros? Vamos embora.
- Sim – respondi -, vamos embora.
- Pelo amor de Deus, Montresor!
- Sim – respondi -, pelo amor de Deus!
Mas esperei em vão qualquer resposta a estas palavras. Impacientei-me.
Gritei, alto:
- Fortunato!
Nenhuma resposta.
Tornei a gritar:
- Fortunato!
Ainda agora, nenhuma resposta. Introduzi uma vela pelo orifício que restava e deixei-a cair dentro do nicho. Chegou até mim, como resposta, apenas um tilintar de guizos. Senti o coração opresso, sem dúvida devido à umidade das catacumbas. Apressei-me para terminar o meu trabalho. Com esforço, coloquei em seu lugar a última pedra – e cobri-a com argamassa. De encontro à nova parede, tornei a erguer a antiga muralha de ossos. Durante meio século, mortal algum os perturbou.
A “Morte Escarlate” havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua marca ? a cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora.
Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a a muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos. Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a “Morte Escarlate”.
Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os mil amigos com um magnífico baile de máscaras.
Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou descrever onde ela aconteceu. Eram sete ? um suíte imperial. Em muitos palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem nas paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente, como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica dava para um corredor fechado que acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo, era azul ? e de um azul intenso eram suas janelas. No segundo salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verdes também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com cor alaranjada ? o quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à das decorações. AS vidraças, ali, eram escarlates ? uma violenta cor de sangue.
Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto. Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da seqüência de salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.
Era também nesse apartamento que se achava, encostado à parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado, monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas em tom tão enfático e peculiar que, ao final de cada hora, os músicos da orquestra se viam obrigados a interromper momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio, observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e serenos passavam a mão pela teste, como se estivessem num confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o relógio dava novamente as horas, acontecia a mesma perturbação e idênticos tremores e gestos de meditação de antes.
Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! Os gosto do duque eram estranhos. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e veementes, e suas idéias brilhavam com um esplendor bárbaro. Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencer-se disso.
Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas. Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia ? muito daquilo que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de terrível e um tanto daquilo que poderia despertar repulsa. De um ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade, uma multidão de sonhos. E eles ? os sonhos ? giravam sem parar, assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das batidas extinguem-se ? duraram apenas um instante ? e risos levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios luminosos dos tripés. Ao salão que fica a mais oeste de todos os sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às alegrias nos salões mais afastados.
Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou, como contei, as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo ficou intranqüilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava a reprovação e surpresa ? e, finalmente, terror, horror e repulsa.
Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal sensação. Na verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo, existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade, todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era alta e esquálida, envolta do pés a cabeça em veste mortuárias. A máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue ? e sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o horror escarlate.
Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu semblante tornou-se vermelho de raiva.
- Quem ousa… ? perguntou com voz rouca aos convivas que estavam perto ? quem ousa nos insultar com essa caçoada blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer!
O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com um sinal de sua mão.
O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele momento, estava bem ao alcance das mãos, e agora, com passos decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas por causa de um certo temor sem nome, que a louca arrogância do mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que, desimpedido , passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio, passando do salão azul para o púrpura ? do púrpura para o verde ? do verde para o alaranjado ? e desse ainda para o branco ? e daí para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo para dete-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a extremidade do salão de veludo, virou-se subitamente e enfrentou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo ? e o punhal caiu cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte, tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável.
E então reconheceu-se a presença da Morte Escarlate. Viera como um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.
Há certos temas de interesse totalmente absorventes mas por demais horríveis para os fins da legítima ficção. O simples romancista deve evitá-los se não deseja ofender ou desgostar. Só devem ser convenientemente utilizados quando a severidade e a imponência da verdade os santificam e sustentam. Estremecemos, por exemplo, com o mais intenso "pesar agradável", diante das narrativas da Passagem do Beresina, do Terremoto de Lisboa, da Peste em Londres, do Massacre de São Bartolomeu, ou da asfixia dos cento e vinte três prisioneiros da Caverna Negra em Calcutá. Mas nessas narrativas é o fato, é a realidade, é a história o que excita. Como invenções, olhá-las-íamos com simples aversão.
Mencionei algumas, apenas, das mais proeminentes e augustas calamidades que a história registra. Mas nelas existe a extensão, bem como o caráter, de calamidade, que tão vivamente impressiona a fantasia. Não é necessário lembrar ao leitor que, do longo e pavoroso catálogo das misérias humanas, poderia eu ter selecionado numerosos exemplos individuais mais repletos de sofrimento essencial que qualquer daqueles vastos desastres generalizados. A verdadeira desgraça, na verdade, o derradeiro infortúnio, é particular e não difuso. Demos graças a um Deus misericordioso pelo fato de serem os espantosos extremos da agonia suportados pelo homem-unidade e nunca pelo homem-massa!
Ser enterrado vivo é, fora de qualquer dúvida, o mais terrífico daqueles extremos que já couberam por sorte aos simples mortais. Que isso haja acontecido freqüentemente, e bem freqüentemente, mal pode ser negado por aqueles que pensam. Os limites que separam a Vida da Morte são, quando muito, sombrios e vagos. Quem poderá dizer onde uma acaba e a outra começa? Sabemos que há doenças em que ocorre total cessação de todas as aparentes funções de vitalidade, mas, de fato, essas cessações são meras suspensões, propriamente ditas. Não passam de pausas temporárias no incompreensível mecanismo. Certo período decorre e alguns princípios misteriosos e invisíveis põem de novo em movimento os mágicos parafusos e as encantadas rodas. A corda de prata não estava solta para sempre, nem o globo de ouro irreparavelmente quebrado. Mas, entrementes, onde se achava a alma?
De parte, porém, a inevitável conclusão, a priori, de que causas tais devem produzir tais efeitos, de que a bem conhecida ocorrência de tais casos de interrompida animação deve, naturalmente, dar azo, de vez em quando, a enterros prematuros, de parte esta consideração temos o testemunho direto da experiência médica e da experiência comum a provar que grande número de semelhantes enterros se tem realmente realizado. Se fosse necessário, poderia referir-me imediatamente a uma centena de casos bem autenticados. Um dos mais famosos, e cujas circunstâncias podem estar ainda frescas na memória de alguns de meus leitores, ocorreu, não faz muito, na vizinha cidade de Baltimore, onde causou uma excitação penosa, intensa e de vasto alcance. A esposa de um dos mais respeitáveis cidadãos, advogado eminente e membro do Congresso, foi atacada de súbita e estranha moléstia que zombou completamente do saber de seus médicos. Depois de muitos sofrimentos veio a falecer, ou supôs-se que houvesse falecido. Ninguém suspeitava, na verdade, nem tinha razão de suspeitar, que ela não estivesse realmente morta. Apresentava todos os sinais habituais de morte. O rosto tomara o usual contorno cadavérico. Os lábios tinham a habitual palidez marmórea. Os olhos estavam sem brilho. Não havia calor. A pulsação cessara. Durante três dias o corpo foi conservado insepulto, adquirindo então uma rigidez de pedra. Afinal, o enterro foi apressado, por causa do rápido avanço do que se supunha ser a decomposição.
A mulher fora depositada no jazigo da família, que não foi aberto nos três anos subseqüentes. Ao expirar esse prazo, abriram-no para receber um ataúde; mas, ai!, que pavoroso choque esperava o marido que abrira em pessoa a porta. Ao se escancararem os portais, certo objeto branco caiu-lhe ruidosamente nos braços. Era o esqueleto de sua mulher, ainda com a mortalha intacta.
Cuidadosa investigação tornou evidente que ela recuperara a vida dois dias depois de seu enterro; que sua luta dentro do ataúde fizera-o cair de uma saliência ou prateleira, no chão, onde se quebrara, permitindo-lhe escapar. Uma lâmpada que fora, por acaso, deixada cheia de óleo dentro do jazigo foi encontrada vazia; contudo, poderia ter sido esgotada pela evaporação. No alto dos degraus que levavam à câmara mortuária, havia um grande fragmento do caixão, com o qual, parecia, tinha ela tentado chamar a atenção batendo na porta de ferro. Enquanto assim fazia, provavelmente desfaleceu ou possivelmente morreu tomada de terror completo e, ao cair, sua mortalha ficou presa a algum pedaço de ferro saliente no interior. E assim ela permaneceu e assim apodreceu, ereta.
No ano de 1810, um caso de inumação viva aconteceu na França, cercado de circunstâncias que provam plenamente a afirmativa de que a verdade é, de fato, mais estranha do que a ficção. A heroína da história era Mademoiselle Vitorina Lafourcade, moça de ilustre família, rica e de grande beleza pessoal. Entre seus numerosos pretendentes havia um tal Julien Bossuet, pobre literato ou jornalista de Paris. Seu talento e sua amabilidade tinham atraído a atenção da herdeira, por quem parecia ter sido verdadeiramente amado; mas o orgulho de seu nascimento decidiu-a, por fim, a repeli-lo e a casar-se com um certo Monsieur Renelle, banqueiro e diplomata de certa importância. Depois do casamento, porém, esse cavalheiro a desprezou e, talvez mesmo mais positivamente, maltratou-a. Tendo passado a seu lado alguns anos infelizes, ela morreu; pelo menos, seu aspecto se assemelhava tão de perto à morte que enganava a qualquer que a visse. Foi enterrada, não num jazigo, mas num sepulcro comum, na vila onde nascera. Cheio de desespero e ainda inflamado pela lembrança de sua profunda afeição, o apaixonado viajou da capital para a longínqua província em que se achava a aldeia, no romântico propósito de desenterrar o cadáver e apossar-se de suas fartas madeixas. Chegou ao túmulo. À meia-noite desenterrou o caixão, abriu-o e, ao cortar-lhe o cabelo, foi detido pelos olhos abertos de sua amada. De fato, a mulher tinha sido enterrada viva. A vitalidade ainda não desaparecera de todo e ela foi despertada pelas carícias de seu amado do letargo que fora tomado como morte. Ele a levou, nervosamente, para seus aposentos na aldeia. Empregou certos poderosos analépticos sugeridos por seus não pequenos conhecimentos médicos. Por fim, ela reviveu. Reconheceu seu salvador. Permaneceu com ele até que, gradativamente, recobrou por completo a primitiva saúde. Seu coração de mulher não tinha a dureza dos diamantes e essa última lição de amor bastou para abrandá-lo. Concedeu-o a Bossuet. Não voltou à companhia do marido; mas, ocultando dele a sua ressurreição, fugiu com seu amante para a América. Vinte anos depois, ambos voltaram à França, persuadidos de que o tempo tinha alterado tão grandemente o aspecto da mulher que seus amigos seriam incapazes de reconhecê-la. Enganaram-se, porém, porque, ao primeiro encontro, Monsieur Renelle reconheceu logo e reclamou sua mulher, Ela se opôs a essa reclamação e um tribunal de justiça apoiou-a, decidindo que as circunstâncias peculiares e o longo lapso de anos haviam extinguido, não só eqüitativa, mas legalmente, a autoridade do marido.
O Jornal de Cirurgia de Lipsia, periódico de alta autoridade e mérito, que alguns livreiros americanos fariam bem em traduzir e republicar, relembra num dos últimos números um acontecimento bem penoso dessa mesma espécie.
Um oficial de artilharia, homem de gigantesca estatura e vigorosa saúde, tendo sido atirado de um cavalo indomável, recebeu fortíssima contusão na cabeça que o tornou imediatamente insensível. O crânio ficou levemente fraturado, mas não se temia imediato perigo. A trepanação foi executada com pleno êxito. Sangraram-no e puseram-se em execução vários outros meios comuns de alívio. Gradualmente, porém, foi ele mergulhando, cada vez mais, num estado de desesperado torpor e, finalmente, pensou-se que havia morrido.
O tempo era de calor, e enterraram-no, com pressa censurável, num dos cemitérios públicos. Seu enterro realizou-se na quinta-feira. No domingo seguinte o cemitério, como de costume, encheu-se de visitantes e, ao meio-dia, produziu-se intensa excitação quando um camponês declarou que, tendo-se sentado sobre o túmulo do oficial, sentira distintamente um movimento da terra, como se ocasionado por alguém que lutasse ali embaixo. A princípio, pouca atenção foi dada à afirmativa do homem, mas seu evidente terror e a teimosia obstinada com que persistia em sua história produziram, afinal, natural efeito sobre a multidão. Procuraram-se, às pressas, pás e o túmulo, que era vergonhosamente pouco profundo, foi em poucos minutos tão depressa escavado que a cabeça do seu ocupante apareceu; ele estava, então, aparentemente morto, mas sentara-se quase ereto dentro do caixão cuja tampa, na sua luta furiosa, havia parcialmente soerguido.
Foi imediatamente transportado ao mais próximo hospital e ali declarou-se que ele estava ainda vivo, embora em estado de asfixia. Depois de algumas horas, reviveu, reconheceu pessoas de sua amizade e, em frases entrecortadas, narrou as agonias que sofrera na sepultura.
Pelo que ele relatou ficou patente que devera ter estado consciente de perder os sentidos. A sepultura fora descuidada e frouxamente cheia de uma terra excessivamente porosa, e assim algum ar podia, necessariamente, penetrar. Ele ouviu o tropel de passos da multidão por cima de sua cabeça e procurou fazer-se ouvir, por sua vez. Foi o barulho dentro do cemitério, disse ele, que pareceu despertá-lo de um profundo sono, mas logo que despertou sentiu-se plenamente cônscio do horror pavoroso de sua situação.
Este paciente, conta-se, estava indo bem e parecia achar-se em franco caminho de completo restabelecimento, mas foi vítima do charlatanismo das experiências médicas. Aplicaram-lhe uma bateria elétrica e ele, de repente, expirou num daqueles extáticos paroxismos que ela ocasionalmente provoca.
A menção da bateria elétrica, aliás, traz-me à memória um caso bem conhecido e extraordinário, em que sua ação provou-se eficaz em fazer voltar à vida um jovem procurador londrino que estivera enterrado durante oito dias. Isto ocorreu em 1831, e causou, em seu tempo, profundíssima sensação em toda a parte em que se tornasse o assunto da conversa.
O paciente, Sr. Eduardo Stapleton, tinha morrido, parece, de tifo, com certos sintomas anômalos que haviam excitado a curiosidade de seus médicos assistentes. A respeito dessa morte aparente, solicitou-se de seus amigos que permitissem um exame post mortem, mas eles se negaram a consentir nisso. Como acontece muitas vezes quando se fazem tais recusas, os profissionais resolveram desenterrar o corpo e dissecá-lo, com vagar, por sua conta. Realizaram-se facilmente os preparativos, com os numerosos grupos de desenterradores de cadáveres, então muito encontradiços em Londres e, na terceira noite depois do funeral, o suposto cadáver foi desenterrado duma cova de dois metros e quarenta de profundidade e depositado na sala de operações de um dos hospitais particulares.
Uma incisão de certo tamanho fora já feita no abdômen, quando a aparência fresca e incorrupta do paciente sugeriu que se fizesse aplicação duma bateria. As experiências se sucederam e sobrevieram os efeitos costumeiros, sem nada que, de algum modo, os caracterizasse, exceto, numa ou duas ocasiões, certo grau um pouco incomum de vivacidade na ação convulsiva.
Fazia-se tarde. O dia estava prestes a raiar e achou-se, afinal, que era conveniente proceder, sem demora, à dissecação. Um estudante, porém, estava especialmente desejoso de provar certa teoria sua e insistiu em que se aplicasse a bateria num dos músculos peitorais. Deu-se um grosseiro talho e aplicou-se apressadamente um fio; então o paciente, num movimento ligeiro, mas não convulsivo, ergueu-se da mesa, andou até o meio do soalho, olhou inquieto por instantes em redor de si e depois... falou. Não se podia entender o que dizia, mas as palavras eram ditas e a formação das sílabas distinta. Depois de falar, caiu pesadamente no soalho.
Por alguns instantes todos ficaram paralisados de terror, mas a urgência do caso em breve os fez recuperar a presença de espírito. Via-se que o Sr. Stapleton estava vivo, embora desmaiado. Com aplicações de éter reviveu e, sem demora, recuperou a saúde, voltando ao convívio de seus amigos, dos quais, porém, todo conhecimento de sua ressurreição fora oculto, até passar o perigo de uma recaída. Podem imaginar-se sua admiração e seu arrebatador espanto.
A mais emocionante particularidade desse incidente, contudo, consiste no que o próprio Sr. Stapleton afirma. Declara ele que em nenhuma ocasião esteve totalmente insensível; que vaga e confusamente tinha consciência de tudo quanto lhe acontecia, desde o momento em que foi declarado morto pelos médicos, até aquele em que desmaiou no soalho do hospital. "Eu estou vivo" foram as palavras incompreendidas que, ao reconhecer que se achava numa sala de dissecação, tinha tentado pronunciar, naquela hora extrema.
Seria coisa fácil multiplicar histórias como esta, mas abstenho-me disso porque, na verdade, não temos necessidade de tal coisa para demonstrar que, efetivamente, ocorrem enterros prematuros. Quando refletimos, dada a natureza do caso, quão raramente nos é possível descobri-los, devemos admitir que eles possam ocorrer freqüentemente sem que o saibamos. É raro, na verdade, que um cemitério seja revolvido, alguma vez, com qualquer propósito e em grande extensão, e não se encontrem esqueletos em posições que sugerem as mais terríveis suspeitas.
Terrível, na verdade, a suspeita, porém mais terrível é tal destino! Podemos asseverar, sem hesitação, que nenhum acontecimento é tão horrivelmente capaz de inspirar o supremo desespero do corpo e do espírito como ser enterrado vivo. A insuportável opressão dos pulmões, os vapores sufocantes da terra úmida, o contato dos ornamentos fúnebres, o rígido aperto das tábuas do caixão, o negror da noite absoluta, o silêncio como um ar que nos afoga, a invisível, porém sensível, presença do Verme Conquistador, tudo isso, com a idéia do ar e da relva lá em cima, a lembrança dos queridos amigos que acorreriam a nos salvar se informados de nosso destino, e a consciência de que eles jamais poderão ser informados desse destino, e de que nossa desesperada sorte é a do realmente morto, essas considerações, digo, acarretam ao coração que ainda palpita um grau tal de horror espantoso e intolerável que a mais ousada imaginação recua diante dele. Nada conhecemos de maior agonia sobre a terra. Não podemos imaginar nem a metade de coisa tão horrível nas regiões do mais profundo inferno. E, por isso, qualquer narrativa a respeito tem interesse profundo; interesse, porém, que, através do sagrado terror do próprio assunto, bem própria e caracteristicamente depende de nossa convicção da verdade do caso narrado. O que tenho agora a contar é do meu real conhecimento, da minha própria, positiva e pessoal experiência.
Durante vários anos estive sujeito a ataques da estranha moléstia que os médicos concordaram chamar catalepsia, na falta de denominação mais definida. Embora tanto as causas imediatas e predisponentes como o verdadeiro diagnóstico desta doença ainda sejam misteriosos, seu caráter claro e evidente já está bastante compreendido. Suas variações parecem ser, principalmente, de grau. Às vezes, o paciente jaz, durante um dia só, ou mesmo durante curto período, numa espécie de exagerada letargia. Perde a sensibilidade e os movimentos, mas a pulsação do coração é ainda fracamente perceptível; alguns restos de calor permanecem; ligeiro colorido se mantém no centro da face; e, aplicando um espelho à boca, pode-se descobrir uma lenta, desigual e vacilante ação dos pulmões. Outras vezes, a duração do transe é de semanas ou mesmo de meses, e a mais severa investigação, as mais rigorosas experiências médicas não conseguem estabelecer qualquer distinção material entre o estado do paciente e o que concebemos como morte absoluta.
Freqüentes vezes é ele salvo do enterro prematuro apenas por saberem seus amigos que fora anteriormente sujeito a ataques catalépticos, pela conseqüente suspeita suscitada e, acima de tudo, pela aparência incorrupta. Os progressos da doença são, felizmente, gradativos. As primeiras manifestações, além de típicas, são inequívocas. Os acessos se tornam, sucessivamente, cada vez mais distintos, prolongando-se cada um mais do que o anterior. Nisto jaz a principal garantia contra a inumação. O infeliz cujo primeiro ataque for de caráter extremo, como ocasionalmente se vê, estará quase sem remédio condenado a ser enterrado vivo.
Meu próprio caso não diferia, em pormenores importantes, dos mencionados nos livros médicos. As vezes, sem nenhuma causa aparente, eu mergulhava, pouco a pouco, num estado de semi-síncope ou semidesmaio; e neste estado, sem dor, sem possibilidade de mover-me ou, estritamente falando, de pensar, mas com uma nevoenta e letárgica consciência da vida e da presença dos que cercavam minha cama, eu permanecia até que a crise da doença me fizesse recuperar, de súbito, a completa sensação. Outras vezes, era rápida e impetuosamente surpreendido pelo ataque. Sentia-me doente, entorpecido, frio, aturdido e caía logo prostrado. Depois, durante semanas, tudo era vácuo, negror, silêncio, e num nada se transformava o universo. Não poderia haver mais total aniquilação. Destes últimos ataques eu despertava, porém, com lentidão gradativa na proporção da subitaneidade do acesso. Da mesma forma por que o dia alvorece para o mendigo, sem lar e sem amigos, que vaga pelas ruas, através da longa e desolada noite de inverno, assim também tardia, assim também cansada, assim também alegre, voltava a luz à minha alma.
Exceto aquela predisposição para o ataque, meu estado geral de saúde apresentava-se bom; nem eu podia perceber que todo ele se achava afetado por uma doença predominante, a menos que, realmente, certa reação em meu sono comum pudesse ser olhada como mais um sintoma. Logo ao despertar, nunca podia de imediato assenhorar-me de meus sentidos e sempre permanecia, durante muitos minutos, em grande confusão e perplexidade, com as faculdades mentais em geral, e especialmente a memória, num estado de absoluto torpor.
Em tudo isso que eu experimentava não havia sofrimento físico, mas infinita angústia moral. Minha imaginação se tornava macabra. Falava de "vermes, de covas e epitáfios". Perdia-me em devaneios de morte e a idéia do enterro prematuro se apossava de contínuo de meu cérebro. O horrendo perigo a que estava sujeito assombrava-me dia e noite. De dia, a tortura da meditação era excessiva; de noite, suprema. Quando a disforme Escuridão inundava a terra, com todo o horror do pensamento eu tremia, tremia como as plumas palpitantes que adornam os carros fúnebres. Quando a natureza não podia mais suportar a insônia, era com relutância que eu consentia em dormir, pois me abalava o pensar que, ao despertar, poderia achar-me como habitante de um túmulo. E quando, finalmente, mergulhava no sono, era apenas para precipitar-me imediatamente num mundo de fantasmas acima do qual, com asas enormes, lúridas, tenebrosas, pairava, dominadora, a fixa idéia sepulcral.
Das inúmeras imagens de tristeza que assim me oprimiam em sonhos escolho, para ilustrar, apenas uma visão solitária. Creio que estava imerso num transe cataléptico de duração e intensidade maiores que as habituais. De repente, senti uma mão gelada pousar-se na minha fronte e uma voz, impaciente e inarticulada, sussurrou-me ao ouvido a palavra: "Levanta-te!"
Sentei-me. A escuridão era total. Não podia distinguir o vulto de quem me havia despertado. Não podia recordar-me do momento em que caíra em transe, nem do lugar em que então jazia; enquanto permanecia parado, ocupado em procurar coordenar o pensamento, a fria mão agarrou-me, feroz, pelo punho, sacudindo-o com aspereza, ao mesmo tempo que a voz inarticulada dizia novamente:
— Levanta-te! Não te ordenei que te levantasses?
— Quem és tu? — perguntei.
— Não tenho nome nas regiões onde habito — respondeu a voz, fúnebre. — Eu era mortal, mas sou agora demônio. Eu era implacável, mas agora sou compassivo. Deves sentir que estou tremendo. Meus dentes matraqueiam enquanto falo, embora não seja por causa da frialdade da noite, da noite sem fim. Essa hediondez, porém, é insuportável. Como podes tu dormir tranqüilo? Não posso repousar por causa do clamor dessas grandes agonias. Esse espetáculo é superior às minhas forças. Põe-te de pé! Sai comigo para a noite e deixa que eu te escancare os túmulos. Não é esta uma visão de horror? Contempla!
Olhei, e o vulto invisível que ainda me agarrava pelo punho fez com que se abrissem todos os túmulos da humanidade, e de cada um saiu o fraco palor fosfórico da podridão; e então eu pude ver, dentro dos mais absconsos recessos, pude ver os corpos amortalhados nos seus tristes e solenes sonos com o verme. Mas, ai!, os que dormiam verdadeiramente eram muitos milhões menos do que aqueles que não dormiam absolutamente; e debatiam-se, sem força; havia uma agitação geral e confrangedora; e das profundezas das covas incontáveis se elevava o ruído roçagante e melancólico das mortalhas dos sepultos. E entre aqueles que pareciam tranqüilamente repousar vi que grande número havia mudado, em maior ou menor proporção, a rígida e incômoda posição em que tinham sido primitivamente enterrados. E a voz de novo me disse, enquanto eu contemplava:
— Não é isto, oh!, não é isto uma visão lastimável?
Mas antes que eu pudesse encontrar palavras para replicar, o vulto largou-me o punho, as luzes fosfóricas se extinguiram e as tumbas se fecharam com súbita violência, enquanto delas se erguia um tumulto de clamores desesperados; e ele disse de novo: "Não é isto, meu Deus!, não é isto uma visão lastimável?"
Fantasias como estas que se apresentavam à noite estendiam sua terrífica influência muito além de minhas horas de vigília. Meus nervos se relaxaram inteiramente e me tornei presa de perpétuo horror. Hesitava em cavalgar, em passear ou em praticar qualquer exercício que me afastasse de casa. Na realidade, não ousava mais afastar-me da imediata presença daqueles que sabiam de minha propensão à catalepsia, temendo que, ao cair num de meus costumeiros ataques, viesse a ser enterrado antes de que minha verdadeira condição fosse certificada. Duvidava do cuidado, da fidelidade de meus mais queridos amigos. Receava que, em algum transe de maior duração que a habitual, fossem eles induzidos a considerá-lo como definitivo. Eu mesmo cheguei a ponto de temer que, por causar muito incômodo, ficassem eles satisfeitos em considerar qualquer ataque muito demorado como suficiente escusa para se verem livres de mim de uma vez por todas. Era em vão que eles procuravam tranqüilizar-me com as mais solenes promessas. Exigi os mais sagrados juramentos de que em nenhuma circunstância eles me enterrariam sem que a decomposição estivesse materialmente adiantada, que se tornasse impossível qualquer ulterior preservação. E mesmo assim meus terrores mortais não queriam dar ouvidos à razão, não queriam aceitar consolo. Iniciei uma série de cuidadosas precauções. Entre outras coisas, mandei remodelar o jazigo de família, de modo a facilitar o ser prontamente aberto de dentro. A mais leve pressão sobre uma comprida manivela, que avançava bem dentro do túmulo, causaria a abertura dos portais de ferro. Havia também dispositivos para a livre admissão do ar e da luz e adequados recipientes para comida e água, dentro do imediato alcance do caixão preparado para receber-me. O caixão estava quente e maciamente acolchoado e provido de uma tampa construída de acordo com o sistema da porta do jazigo, com o acréscimo de molas tão engenhosas que o mais fraco movimento do corpo seria suficiente para abri-lo. Além de tudo isto, havia, suspenso do teto do túmulo, um grande sino, cuja corda, como determinei, deveria ser enfiada por um buraco do caixão e amarrada a uma das mãos do cadáver. Mas, ah!, de que vale a vigilância contra o Destino do homem? Nem mesmo aquelas tão engenhosas seguranças bastaram para salvar das extremas agonias de ser enterrado vivo um desgraçado condenado de antemão a essas mesmas agonias!
Chegou uma época – como muitas vezes havia chegado antes – em que me achei emergindo de total inconsciência para o início de um fraco e indefinido senso da existência. Vagarosamente, numa gradação tardígrada, aproximou-se a nevoenta madrugada do dia psicológico. Um torpor incômodo. Um sofrimento apático de obscura dor. Nenhuma atenção, nenhuma esperança, nenhum esforço. Em seguida, após longo intervalo um zumbido nos ouvidos; depois disso, após um lapso de tempo ainda mais longo, um comichão ou sensação de formigueiro nas extremidades; depois, um período aparentemente eterno de aprazível quietude, durante o qual os sentimentos despertos lutam dentro do pensamento; depois, um breve e novo mergulho no nada; depois, uma súbita revivescência. Afinal, o rápido tremer de uma pálpebra, e, imediatamente após, um choque elétrico de terror, mortal e indefinido, que arroja o sangue em torrentes das têmporas para o coração. E agora, o primeiro positivo esforço para pensar. E agora, a primeira tentativa de recordar. E agora, um êxito parcial e evanescente. E agora, a memória já recuperou de tal modo seu domínio que, até certa medida, estou consciente de meu estado. Sinto que não estou despertando de um sono comum. Lembro-me de que estive sujeito à catalepsia. E agora, afinal, como que inundado por um oceano, meu espírito trêmulo é dominado pelo Perigo horrendo, por aquela espectral e tirânica idéia fixa.
Permaneci imóvel alguns minutos, depois que essa imagem se apoderou de mim. E por quê? Eu não podia armar-me de coragem para mover-me. Não ousava fazer o esforço necessário para certificar-me de minha sorte, e, contudo, havia algo no meu coração que me sussurrava que ela era fatal. O desespero – como o de nenhuma outra desgraça que jamais salteou o ser humano – só o desespero me impeliu, após longa irresolução, a erguer as pesadas pálpebras de meus olhos. Ergui-as. Estava escuro, totalmente escuro. Senti que o ataque tinha passado. Senti que a crise de minha doença há muito desaparecera. Senti que me achava agora, completamente, em pleno uso de minhas faculdades visuais. E, contudo, estava escuro, totalmente escuro, daquela escuridão intensa e extrema da Noite que dura para sempre.
Tentei gritar, e meus lábios e minha língua seca moveram-se convulsivamente, em comum tentativa, mas nenhuma voz saiu dos cavernosos pulmões, que, como oprimidos sob o peso de uma esmagadora montanha, arfavam e palpitavam com o coração a cada difícil e penosa respiração.
O movimento das mandíbulas, no esforço de gritar bem alto, mostrava-me que elas estavam amarradas, como se faz usualmente com os mortos. Senti também que jazia sobre alguma coisa sólida e que a mesma coisa também me comprimia estreitamente ambos os lados. Até então eu não me atrevera a mover qualquer dos membros; mas agora, violentamente, levantei os braços que tinham estado até então sobre o peito, com as mãos cruzadas. Eles bateram de encontro a uma madeira sólida, que se estendia sobre mim, a uma altura de não mais do que seis polegadas de meu rosto. Não podia mais duvidar de que repousava dentro de um caixão.
E então, entre todas as minhas infinitas aflições, senti aproximar-se suavemente o anjo da Esperança, pois pensei nas precauções que havia tomado. Retorci-me e fiz esforços espasmódicos para abrir a tampa: não se movia. Tateei os punhos à procura da corda do sino: não foi encontrada. E então o anjo confortador voou para sempre e um desespero ainda mais agudo reinou triunfante, porque clara se tornava a ausência das almofadas que eu tinha tão cuidadosamente preparado, e depois, também, chegou-me subitamente às narinas o forte e característico odor da terra úmida. A conclusão era irresistível. Eu não estava dentro do jazigo. Fora vítima dum de meus ataques enquanto me achava fora de casa e então alguns estranhos, quando ou como não me podia recordar, me enterraram como a um cachorro, trancado dentro de um caixão comum e lançado no fundo, bem no fundo e para sempre, de alguma cova ordinária e sem nome.
Quando essa terrível convicção se fixou à força nos recessos mais íntimos de minha alma, esforcei-me mais uma vez por gritar bem alto. E essa segunda tentativa deu resultado. Um longo, selvagem e contínuo grito, ou bramido de agonia, ressoou através dos domínios da Noite subterrânea.
— Ei! Ei! Olha aqui! — respondeu uma voz grosseira.
— Que diabo é isso agora? — disse um segundo.
— Acabe com isso! — gritou um terceiro.
— Que pretende você berrando desse jeito, como um danado? disse um quarto.
E nisto fui agarrado e sacudido sem cerimônia durante muitos minutos por uma turma de sujeitos mal-encarados Não me despertaram de meu sono, porque eu estava bem desperto quando gritei, mas me fizeram recobrar a plena posse de minha memória.
Esta aventura ocorreu perto de Richmond, na Virgínia. Acompanhado por um amigo eu tinha avançado, seguindo uma expedição de caça, algumas milhas ao longo das margens do rio Jaime. A noite se aproximou e fomos surpreendidos por uma tempestade. O camarote duma pequena chalupa, ancorada no rio e carregada de terra pastosa para jardim, oferecia-se como o único abrigo disponível. Arranjamo-nos o melhor que pudemos para passar a noite a bordo. Adormeci em um dos dois únicos beliches da embarcação. Os beliches duma chalupa de sessenta ou setenta toneladas quase não precisam ser descritos. Aquele que eu ocupava não tinha colchão de espécie alguma. Sua largura extrema era de dezoito polegadas. A distância até o tombadilho, por cima da cabeça, era precisamente a mesma. Fora com excessiva dificuldade que me apertara dentro dele. Apesar de tudo, adormeci profundamente, e toda aquela minha visão, porque não era sonho, nem pesadelo, surgiu naturalmente das circunstâncias de minha posição, do meu habitual pensamento impressionado e da dificuldade, a que já aludi, de recuperar os sentidos e especialmente a memória durante muito tempo depois de despertar de um sono. Os homens que me sacudiram eram da tripulação da chalupa e alguns trabalhadores contratados para descarregá-la. Da própria carga é que provinha aquele cheiro de terra. A ligadura em torno de meus queixos era um lenço de seda em que havia enrolado minha cabeça, na falta de meu costumeiro barrete de dormir.
As torturas experimentadas, porém, eram, sem dúvida, completamente idênticas, no momento, às de uma verdadeira sepultura. Eram pavorosas, eram inconcebivelmente hediondas. Mas do Mal se origina o Bem, porque aqueles paroxismos operaram inevitável revulsão no meu espírito. Minha alma adquiriu tonalidade, adquiriu têmpera. Viajei para o estrangeiro. Fiz vigorosos exercícios. Aspirei o ar livre do Céu. Pensei em outras coisas que não na Morte. Descartei-me de meus livros de medicina. Queimei Buchan. Não li mais os Pensamentos Noturnos, nem aranzéis a respeito de cemitérios, nem histórias de fantasmas como esta. Em resumo, tornei-me um novo homem e vivi vida de homem. Desde aquela memorável noite afugentei para sempre minhas apreensões sepulcrais e com elas esvaneceu-se a doença cataléptica, da qual, talvez, tivessem sido menos a conseqüência que a causa.
Há momentos em que, mesmo aos olhos serenos da Razão, o mundo de nossa triste Humanidade pode assumir o aspecto de um inferno, mas a imaginação do homem não é Carathis para explorar impunemente todas as suas cavernas. Ah! A horrenda legião dos terrores sepulcrais não pode ser olhada de modo tão completamente fantástico, mas, como os Demônios em cuja companhia Afrasiab fez sua viagem até ao Oxus, eles devem dormir ou nos devorarão, devem ser mergulhados no sono ou nós pereceremos.
Documentário em vídeo
Como bem já disse, este post deveria ser pequeno. Sei que já me demorei o bastante para uma vida inteira, então me limito a deixar aos interessados um bom documentário de no máximo uma hora produzido pelo History Channel, dublado em português. O assisti há uns dois anos e confesso que não o re-vi quando cá o acoplei, mas se bem me lembro ele pode dar uma boa noção da vida e obra de Poe de modo geral.
Teve uma vez que eu tive que fazer a releitura do conto "O Gato" de Poe, na escola. Até então eu não o conhecia. Para quem gosta de contos de horror, Poe é uma boa opção.
Teve uma vez que eu tive que fazer a releitura do conto "O Gato" de Poe, na escola. Até então eu não o conhecia.
ResponderExcluirPara quem gosta de contos de horror, Poe é uma boa opção.