Grilos cantavam na noite quando me sentei na varanda e os ouvi discutir de novo...
"Não podemos permitir que você gaste desse jeito!"
"Foi apenas uma noite com os meus amigos! Você está tentando colocar a culpa da nossa ruína financeira em mim?!"
Eu suspirei e escondi meu rosto em minhas mãos. Odiava quando meus pais brigavam, e hoje não era uma noite em que eu pretendia permanecer sentado, ouvindo.
Chutei cada pedra em meu caminho, enquanto velozmente descia a calçada, rumo a uma caminhada incerta pelo bairro. Eu até relaxei um pouco depois que a casa sumiu de vista, mas a depressão surgiu e me tragava a cada passo.
Minha casa não era mais um lugar agradável, não era mais um lar... Eu tinha que fugir, tinha que sair de perto dos meus pais que faziam questão de brigar todo maldito dia por causa de dinheiro... Mesmo que eles nunca dirigiram a palavra especificamente a mim, me sentia ameaçado e violado naquele ambiente de guerra.
Estava pensando nisso tudo quando de repente minha mente voltou à realidade.
Minha pele se arrepiou abruptamente. O mundo ao meu redor ficou em silêncio; mesmo os grilos pararam de cantar.
Sem saber o motivo dessas estranhas sensações, comecei a andar mais rápido.
Então, meus ouvidos captaram o distinto som de passos - passos além dos meus. Fiquei estático e girei a cabeça, procurando uma fonte para esses passos por entre a escuridão.
Não havia nada lá, nem um gato de rua sequer.
"Não é nada", sussurrei em meio ao silêncio. "É apenas a minha imaginação."
Mais aliviado, me preparava para voltar à minha caminhada, porém, quando me virei e olhei para a frente, segurei um grito na garganta: um menino estava a menos de um metro de mim, com a mão estendida. Havia uma expressão estranha no rosto dele - não um sorriso, nem uma carranca; apenas uma cara um tanto quanto vazia, meio triste...
"Eu sou Jason Paige", disse ele.
Consegui deixar escapar o meu nome, enquanto gaguejava, "Como é que você veio parar na minha fren-"
"Podemos caminhar?" Ele me interrompeu, e fez um gesto em direção às ruas.
Atordoado demais para fazer qualquer outra coisa, eu apenas concordei com a cabeça e nos adensamos mais nas ruas do meu bairro, e se bem me lembro, visitamos até bairros vizinhos, visto que passamos um bom tempo na companhia um do outro.
Enquanto conversávamos, eu perdi meu medo e percebi que estava adorando conversar conversar com ele. Horas se passaram; entramos no próximo bairro, e eu quase não notei... Não até que olhei para o meu relógio, que marcava 02:00am. "Droga! Está muito tarde. Eu tenho que ir para casa, Jason!"
"Eu vou levá-lo até lá", disse ele.
Ficamos em silêncio na volta, até chegar ao fim do caminho e pararmos na porta da minha casa.
Quando tentei perguntar-lhe se ele estava em alguma rede social ou se poderia me dizer onde morava para mantermos contato, ele me interrompeu com uma tosse, olhou-me profundamente nos olhos e disse, firmemente: "Nunca ande sozinho à noite."
Eu pisquei para ele, confuso, mas ele já estava indo embora.
Eu abri minha boca para chamá-lo de volta, mas a voz de minha mãe me interrompeu:
"...Onde você se meteu?! Você viu que horas são?!"
Eu murmurei simplesmente que saí para dar uma volta, me esgueirei até as escadas e me atirei na cama, onde levei mais de uma hora para adormecer. Fiquei pensando em como eu era um esquisito solitário, vítima de bully na escola, que mal aguentava ficar dentro de casa devido às brigas familiares constantes, sem nenhuma única pessoa para conversar... E em como Jason foi a coisa mais próxima de um amigo que eu já tive e que provavelmente nunca mais o veria, já que ele não me passou nenhuma forma de contato.
Na manhã seguinte me sentei à mesa para tomar café da manhã junto com meus pais, arrastando ruidosamente minha cadeira no chão a fim de encarar uma tigela cheia de cereal empapado.
Meu pai balançou a jornal, franzindo a testa:
"Você conhece um tal de Jason Paige? Ele tinha a sua idade. Viveu num bairro aqui perto."
Minha colher congelou a meio caminho de minha boca, e um calafrio correu em minha espinha.
"Ele foi assassinado na noite passada", meu pai continuou. Sua carranca se aprofundou. "Alguns bullies ao longo da rua YM. Cerca de 10:30, diz aqui."
"E você saindo sozinho para dar voltinhas de madrugada!" Minha mãe ralhou.
Ignorei e encarei meu cereal para esconder minhas lágrimas...
Mal sabia ela que estive muito bem acompanhado na noite passada.
Traduzi a Creepy de um aplicativo que arranjei por aí chamado Ghost Stories, da adorável Historia LLC. Você pode baixá-lo para seu Android clicando aqui.
Eu adoraria fazer um post indicando a Historia LLC aos outros aficionados por terror que, como eu, têm que encarar ônibus insuportáveis todos os dias e precisam se distrair com leituras curtas e decentes, mas a Historia LLC só oferece aplicativos em inglês, de modo que seria um post um tanto quanto "exclusivista"... Portanto, me limito à creditar a Historia LLC ao final desta e de outras traduções que pretendo fazer de algumas das excelentes histórias acopladas no Ghost Stories.
Haja tanta criatividade
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