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27 de agosto de 2013

Postado por Unknown | Marcadores: ,
Um conto de narrativa fantástica cujo nome é usualmente traduzido como A dócil (em russo КроткаяKrotkaya), meu exemplar carrega o título "Uma criatura Dócil". Em realidade obtive o livro impulsionada pela paixão que carrego por Dostoiévski, sendo ele um dos meus escritores favoritos, com toda sua acidez e natureza quase caricata dos sentimentos humanos. No Brasil, a editora Cosac Naify publicou o livro como "Uma criatura Dócil" (média R$ 42,00), traduzido magistralmente por Fátima Bianchi e ilustrado por Lasar Sagall, e a Editora 34 acoplou-o a duas narrativas fantásticas - A dócil e O sonho de um homem ridículo (média R$ 35,00).


A história começa com a morte de uma mulher, que logo mostra-se a paixão do protagonista. Logo perguntava-me se era ele o assassino, embora ele negue logo no início. O fato da narrativa ser em primeira pessoa torna tudo muito interessante, pois vemos do prisma exclusivo do homem, por vezes duvidando da voracidade de suas palavras. Porventura, temos e impressão dele iniciar a trama justificando-se pela morte da moça, num monólogo desesperado e com picos ininteligíveis, e isso atiça o leitor e nos torna muito ávidos para assistir ao desabrochar dessa estranha história na qual rapidamente nos vemos envolvidos.
O homem conta como conheceu a moça - uma jovem de dezesseis anos - desde o momento em que ela bateu-lhe à porta atrás de algum dinheiro, sendo ele dono de uma casa de penhores. Ela, órfão, sofria abusos das tias, e em desespero chegava a penhorar seus pequenos objetos de pouco valor monetário herdados dos falecidos pais. Não demoraram a se casar, ela, ávida por se livrar das tias, ele, como louco solitários em busca de uma companhia que o compreendesse.


O casamente rui, nosso narrador descreve toda a falta de comunicação, melancolia e orgulho pessoal que passou a construir uma redoma em volta dos indivíduos em questão, os afastando a ponto de praticamente desprezarem um ao outro. Tudo isso acontece às cegas, pois sabemos das consequências mas não dos fatos que os levam a agir de tal modo, e aí trabalhamos a imaginação, criando suposições que os levaram a todo esse rancor, e principalmente o que poderia justificar a morte de uma moça tão jovem. No final, é impossível sondar o que aconteceu e porquê, estando nós sempre submersos na opinião e versão dos fatos narrados num monólogo. É bastante deprimente, todo o clima angustiante e frio que permeia a obra, ainda mais porque o homem realmente parece gostar da esposa, e embora possamos simpatizar com ele e atacar a moça, logo pomos em dúvida nossas crenças ao notar o quão louco, assustador e perturbado ele mostrava-se a ela. Além de quê, ele é extremamente orgulhoso e de caráter notavelmente machista e possessivo, enquanto a pobre moça progressivamente busca alguma liberdade incompreensível.
É uma ótima pedida a quem for descer ao inferno com o mestre soviético pela primeira vez, pois mesmo se compreendida apenas num grau primário, a história não deixa a desejar. Tem um tema pesado e quase sórdido, mas com uma escrita bastante básica e descomplicada, e definitivamente põe o cérebro a trabalhar e a imaginação a fluir.


Porém, confesso que esperava mais dessa pequena novela, talvez por colocar tanta expectativa nesse aclamado autor. Uma Gentil Criatura é curta e de leitura fácil demais. Decerto algo suave seja ótimo para afrouxar os nervos, mas não é exatamente o que costuma-se buscar no Fiódor. Embora de narrativa simples, porém, a obra não deixa a desejar no aspecto dostoievskiano ao apresentar um leque de infinitas interpretações e complexidade características do escritor.
Ouso comparar o presente teor de confusão e a dúvida que brota das próprias faculdades mentais com o filme Rabbits, 2002, de David Lynch, pois podemos observar que, no fim, tudo pode ser simplesmente do modo que o narrador diz, enquanto quebramos a cabeça buscando significados que talvez nem existam. O fato é que nunca saberemos de nada.
Por fim, vale citar o trecho que me marcou de um jeito que pôde apagar toda a impressão negativa que fui capaz de moldar do livro, e me fez amá-lo mortalmente, quase de modo independente a todo o resto do conjunto da obra:

“Sou mestre na arte de falar em silêncio, passei minha vida toda conversando em silêncio e em silêncio acabei vivendo tragédias inteiras comigo mesmo.”

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